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quinta-feira, 13 de setembro de 2012

CANTA CHICO



CANTA CHICO

Ellza Souza (*)

O cenário a meia luz do Largo São Sebastião e a abafada noite de verão fizeram com que o público, ansioso, manifestasse sua pressa em ouvir o artista do projeto Tacacá na Bossa do dia 29 de agosto, com o apoio da banca da Gisela nas pessoas dos dedicados Joaquim e sua esposa e da Secretaria de Cultura do Estado. Mesmo depois que Chico da Silva apareceu no palco, todo engomado e de branco, num requinte merecedor daquela apresentação tão esperada, os fãs continuaram pedindo fervorosamente para o artista cantar, cantar e cantar. Apesar do atraso devido a problemas técnicos ninguém arredou pé de seus lugares.

O cantor e compositor é parintinense e autor de músicas que até Deus duvida que sejam suas, pela extensa quantidade de obras simplesmente fascinantes e empolgantes. Confesso que fui à praça sem muita empolgação pois o samba não é lá minha predileção de música. Mas o que assisti no Tacacá na Bossa daquela noite foi um recital de poesias, de composições musicais onde as palavras são bem colocadas e enfeitam a melodia por quem sabe fazer isso muito bem. Nos intervalos do seu canto Chico da Silva relatou primorosas histórias de inspiração e parcerias que enriqueceram sua carreira e o show.

Ali mesmo debaixo daqueles benjamizeiros, em pé pois as cadeiras não foram suficientes para a grande platéia que ovacionava o artista, e ainda sofrendo um ataque de formigas que me fizeram correr para lugar seguro, comecei a dar os primeiros passos no ritmo do samba de Chico da Silva. A lindeza de poemas que saíam de sua boca deixaram a minha bem aberta. A vontade de prestar atenção nas belas palavras, na música marcada e dolente, no som dos instrumentos da banda, era grande mas precisava dar uns passos e, mesmo sem saber dançar, fui levada pelo ritmo impressionante daquelas canções.

Além de sambas como “Prá Chatear”, “Samba também é vida”, “Pandeiro é meu Nome”, “Diário de um Boêmio”, alguns cantados por Alcione, Chico fez também toadas dos bois Caprichoso e Garantido. Ouvi a palavra “azulescente” quando o cantor se referiu à sua infância na encantada ilha de Parintins onde nasceu. Mas apesar de ter sido um dia azulescente Chico se bandeou para o contrário e avermelhou explodindo com Vermelho na voz de David Assayag e Fafá de Belém.

Com 35 anos de carreira e algumas paradas para reforçar o gogó e a mente, Chico da Silva é hoje a nossa “waikiru” maior, em saterê maué, estrela. Pela persistência, pela ousadia, pela simplicidade, pela poesia, pela competência, pela melodia, pelo brilho único. Nessa noite no Largo todos cantaram vaidosamente o hino do Chico,  “Amazonas”, para muito além do infinito.

(*) É escritora, jornalista e articulista do NCPAM/UFAM.

A MORTE E A MORTE DE LUIZ BACELLAR




A MORTE E A MORTE DE LUIZ BACELLAR

Nenhuma instituição e nenhuma pessoa física, além da irmã citada, desembolsou qualquer quantia, mínima que fosse, para o tratamento de Luiz Bacellar, custeado com as escassas economias do escritor.

(notas ligeiras sobre os primeiros 174 dias de morte do poeta)

Zemaria Pinto (*)

No dia 19 de março de 2012, pouco mais de 13h, uma idiota, estacionando, atropelou Luiz Bacellar, que esperava, no meio-fio, o momento de atravessar a Ferreira Pena. Sua perna direita partiu-se em quatro pedaços. Ali começava a morte de Luiz Bacellar.

Levado ao SAMEL, um serviço particular, o escritor foi atendido com presteza, sendo preparado para a operação de colocação de pinos e placas, que ligariam de volta os ossos de sua perna, o que só aconteceria cerca de um mês depois.

Após a recuperação, no dia 02 de maio, Bacellar foi para a Fundação Dr. Thomas, um órgão mantido pelo município de Manaus, onde ficou na enfermaria.

A opção pela Fundação era simples: Bacellar morava em um apartamento, onde teria que subir vários lances de escada. E, além disso, precisaria de cuidados 24 horas por dia. Como ele optara – há muito tempo – por viver sozinho, foi levado, sob protestos, ao Dr. Thomas.

Em julho, quando, apesar de muito debilitado, já estava até caminhando, com o auxílio de um andador, uma série de exames médicos colocou-o sob a suspeita de tuberculose. Foi, então, levado ao Hospital de Doenças Tropicais, onde o diagnóstico mudou radicalmente: câncer no pulmão, com metástase para outros órgãos.

Mais alguns dias de volta à Fundação e Bacellar foi levado ao CECON – especializado em oncologia, onde ficou por mais de um mês, tendo retornado ao Dr. Thomas na segunda metade de agosto.

No dia 06 de setembro, sentindo muitas dores e apresentando um quadro de convulsão, Bacellar foi levado de volta ao CECON, de onde saiu no dia 09 de setembro, para ser velado em uma funerária particular. 

Deixara de respirar pouco depois das13h, exatamente 174 dias depois do início da agonia. No dia 10, com a presença de uma pequena multidão de amigos, foi sepultado no mesmo jazigo onde fora sepultada sua mãe, no cemitério São João Batista.

Este é o histórico da agonia, que se prolonga, agora, mesmo com o poeta vivo apenas em nossa lembrança e eternizado em seus poemas. Agonia motivada pela irresponsabilidade e inconsequência de uns poucos.

Alguns jornais impressos e alguns blogs, no dia 10 de setembro, atribuíram a um secretário de estado uma declaração que o faz – ao secretário – parecer mentiroso e lambanceiro. Para preservar a honra e a dignidade do tal secretário, vou relatar a verdade, tal como ela de fato aconteceu – e que pode ser checada com gente da estatura moral de Ronaldo Bonfim, Tenório Telles, Jane Cony e Elson Farias, entre tantos outros.

O secretário teria dito que “o governo do Amazonas tomou todas as medidas necessárias para tentar reverter o quadro de saúde de Bacellar.” Disse também que “o governo informou à família que custeará todas as despesas do sepultamento, assim como acompanhou todo o tratamento médico dele.”

Os fatos

Desde o dia 19 de março até o dia 10 de setembro – do acidente até o enterro – nenhuma secretaria ou qualquer órgão público gastou um centavo de real com a saúde de Luiz Bacellar.

1 – O serviço médico e a estada no SAMEL foram cortesia da direção daquela instituição;
2 – Os pinos e placas usados na perna avariada foram pagos com recursos do próprio Luiz Bacellar (não vou dizer o valor para não envergonhar os pretensos benfeitores);
3 – O Dr. Thomas, o Tropical e o CECON são instituições públicas, que jamais cobraram por qualquer serviço prestado a Bacellar;
4 – Para ter cuidadores 24 horas por dia, Bacellar pagava do seu próprio bolso os serviços desses profissionais, além de contar com um time de voluntárias – o que valeu para as temporadas no Tropical e no CECON;
5 – O serviço da funerária foi pago com recursos de uma das irmãs do Bacellar, que fez questão de respeitar sua vontade, declarada em um documento datado de 25 de agosto, que se resume ao seguinte (copio o documento, por isso a primeira pessoa):

A – Não quero ser velado em nenhum espaço público; por conseguinte, desejo ser velado em um local particular, sem pompa nem circunstância;
B – A propósito, desejo que minha urna seja a mais simples possível;
C – Dispenso antecipadamente quaisquer manifestações públicas de apreço, que desejo reservadas apenas a meus amigos sinceros. 

Portanto, nenhuma instituição e nenhuma pessoa física, além da irmã citada, desembolsou qualquer quantia, mínima que fosse, para o tratamento de Luiz Bacellar, custeado com as escassas economias do escritor. 

Mente e prevarica quem disser o contrário. 

Agora, abutres, deixem que o poeta descanse em paz.  

PS: sobre as últimas palavras de Bacellar terem sido que “queria se encontrar com Jesus”, trata-se de uma falácia evangélica: o velho Dom Luiz jamais diria tal sandice. Nem pra fazer piada.

(*) É poeta e um dos amigos sinceros de Luiz Bacelar, sendo também vitimado no mesmo acidente que o autor de “Frauta de Barro” foi acidentado.