A decisão do Ministro Marco Aurélio contra os povos
indígenas de Lábrea, sul do Amazonas, área identificada pelo avanço das
madeireiras, é citada como exemplo para conter a ampliação de Terras Indígenas
(TI) no País. O fato é que em todo o Brasil e, em particular no Amazonas, a
população indígena cresce muito mais do que a população nacional, exigindo
ampliação de seus territórios para assegurar a sustentabilidade desses povos,
considerando sua reprodução física e a garantia de seus modos próprios de
aprendizagem cultural conforme ampara a Constituição Federal. A decisão do STF
requer regulamentação após os esclarecimentos a serem feitos aos embargos em
trâmites na Corte. Portanto, a portaria da AGU 303, vetando a expansão das TI é
ilegal porque também afronta o direito dos povos lavrado assim na Convenção
169, da Organização Internacional do Trabalho, do qual o Estado brasileiro é um
dos signatários.
Em liminar que concedeu, vetando a
ampliação de terra indígena já demarcada, pois sobre essa questão há decisão do
Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Marco Aurélio Mello alertou para o
risco de a inobservância daquilo que foi decidido "perpetuar controvérsias
que deveriam estar pacificadas" e alimentar o conflito fundiário no País. A
decisão do ministro refere-se a um caso específico, no qual a prefeitura de
Lábrea, no Estado do Amazonas, pede a suspensão dos efeitos dos atos
administrativos e jurídicos que determinaram a ampliação de uma reserva
indígena em área de seu município, mas reforça decisão anterior do STF,
tomada no julgamento da demarcação da Reserva Raposa-Serra do Sol, e aconselha
outras prefeituras com problemas nessa área a seguir no mesmo caminho.
No julgamento do caso Raposa-Serra do
Sol, realizado em 2009, o STF decidiu que "é vedada a ampliação de
terra indígena já demarcada". Esta foi uma das 19 condicionantes
aprovadas pela Suprema Corte e que devem ser aplicadas a todos os casos de
demarcação de reservas indígenas. Apesar dessa decisão, o Ministério Público
Federal do Amazonas abriu ação civil pública contra a União e a Funai para
forçá-las a fazer nova demarcação da terra indígena Kaxarari. Em novembro do
ano passado, por sentença de primeira instância, a Funai foi obrigada a rever e
a ampliar (pela terceira vez, observe-se) a área indígena, que totalizaria
145.889 hectares - "exclusivamente usufruídos por apenas 240 índios",
como observou o ministro Marco Aurélio.
O ministro lembrou que, ao aprovar as
condicionantes no julgamento da demarcação da Reserva Raposa-Serra do Sol, um
dos objetivos do STF foi evitar a perpetuação e multiplicação de conflitos
fundiários e observou que, ao determinar nova demarcação de terras para os
índios Kaxarari, a Funai gerou insegurança jurídica. "Além do potencial
risco de conflito fundiário entre índios e produtores rurais, existe inegável
prejuízo aos investimentos em atividades produtivas praticadas há décadas, à
ordem no território e às finanças" municipais, disse, ao conceder a
liminar pedida pela prefeitura de Lábrea.
Argumentos semelhantes foram
apresentados pelo ministro-chefe da AGU, Luís Inácio Adams, ao justificar a
publicação, em julho, da Portaria 303, que dá sentido prático às 19
condicionantes aprovadas três anos antes pelo STF. A portaria não cria regras
novas, apenas regulamenta a aplicação, na esfera federal, daquilo que foi
aprovado pelo STF e, como explicou Adams, "é necessária para que exista segurança
jurídica" nos processos que tratam dessa questão.
O comportamento do governo do PT
nessa questão, porém, tem alimentado a insegurança. Não faltaram razões
jurídicas para a AGU editar a Portaria 303, o que nos leva a perguntar por que
ela demorou tanto para publicá-la. Outros órgãos do governo Dilma, no entanto,
discordaram da decisão da AGU, que, pressionada, havia adiado para o fim de
setembro a vigência da Portaria 303. Diante de novas pressões, do ministro da
Justiça, José Eduardo Cardozo, ao qual responde a diretoria da Funai, e de
movimentos sociais, a AGU voltou a adiar a vigência da Portaria 303.
Como estabelece nova portaria assinada por Adams, ela vigorará a partir do
"dia seguinte ao da publicação do acórdão" nos embargos declaratórios
(pedidos de esclarecimento) que o STF examinará e que se referem às 19
condicionantes.
É uma data incerta. Há pelo menos
seis pedidos de esclarecimentos. "Certamente, o Supremo não julgará os
embargos ainda este ano, postergando tudo para o ano que vem, se é que essa
questão voltará a entrar em pauta em 2013", observou o professor Denis
Lerrer Rosenfield, em artigo publicado no Estado (22/10). "Nesse meio
tempo, a Funai estará acelerando a identificação e demarcação de terras
indígenas, como se a nossa Suprema Corte nada tivesse decidido."
Enquanto isso, atividades produtivas,
projetos de infraestrutura de transporte e energia, entre outros, e até ações
ligadas à segurança pública e à segurança nacional nessas áreas poderão ser
comprometidas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário