No passado, os magistrados
citavam como exemplo de quadrilha o bando do justiceiro Lampião. Hoje, o
Supremo Tribunal Federal (STF) tem como patamar a prática adotada pela direção
do PT chefiada por José Dirceu, José Genoino e Delúbio Soares, todos condenados
como mafiosos pelos crimes perpetrados no governo Lula contra a República.
O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu
na segunda-feira (22) a análise do item II da denúncia da Procuradoria Geral da
República na Ação Penal 470 (Do Mensalão), que discute a imputação do crime de
formação de quadrilha (previsto no artigo 288 do Código Penal) aos réus ligados
ao Partido dos Trabalhadores (José Dirceu, José Genoino e Delúbio Soares), às
agências de publicidade SMP&B Comunicação e DNA Propaganda (Marcos Valério,
Ramon Hollerbach, Cristiano Paz, Rogério Tolentino, Simone Vasconcelos e Geiza
Dias) e ao Banco Rural (Kátia Rabello, José Roberto Salgado, Vinícius Samarane
e Ayanna Tenório).
Na última quinta-feira (18), o ministro
Joaquim Barbosa (relator da AP 470) concluiu seu voto sobre formação de
quadrilha e manifestou-se pela condenação quanto a esse delito dos réus José
Dirceu, Delúbio Soares, José Genoino, Marcos Valério, Ramon Hollerbach,
Cristiano Paz, Rogério Tolentino, Simone Vasconcelos, José Roberto Salgado,
Kátia Rabello e Vinícius Samarane, e pela absolvição de Geiza Dias e Ayanna
Tenório. Já o revisor da AP 470, ministro Ricardo Lewandowski, proferiu
seu voto pela absolvição de todos os acusados de formação de quadrilha.
Confira o voto dos demais ministros:
Ministra Rosa Weber: acompanhou o ministro-revisor.
Ministra Cármen Lúcia: acompanhou o ministro-revisor.
Ministro Luiz Fux: acompanhou o ministro-relator.
Ministro Dias Toffoli: acompanhou o ministro-revisor.
Ministro Gilmar Mendes: acompanhou o ministro-relator.
Ministro Marco Aurélio: votou pela condenação de José Dirceu, Delúbio
Soares, José Genoino, Marcos Valério, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz, Rogério
Tolentino, Simone Vasconcelos, José Roberto Salgado, Kátia Rabello e Geiza
Dias, e pela absolvição de Ayanna Tenório e Vinícius Samarane.
Ministro Celso de Mello: acompanhou o ministro-relator.
Ministro Ayres Britto: acompanhou o ministro-relator.
Voto do Ministro
O ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), divulgou
trechos de seu voto proferido na sessão plenária desta segunda-feira (22). Para
o decano do STF, ficou inteiramente comprovada a acusação feita pelo Ministério
Público Federal contra 11 réus no item II da Ação Penal (AP) 470, que trata do
crime de formação de quadrilha.
Parte do voto do Ministro CELSO DE
MELLO proferido na sessão plenária de 22 de outubro de 2012 (AP 470/MG)
Em mais de 44 anos de atuação na área jurídica, primeiramente como membro
do Ministério Público paulista e, depois, como Juiz do Supremo Tribunal
Federal, nunca presenciei caso em que
o delito de quadrilha se apresentasse tão nitidamente caracterizado
em todos os seus elementos constitutivos, como sucede no processo ora em
julgamento.
Na realidade, Senhor Presidente, tenho por inteiramente comprovada a
acusação penal fundada na imputação, aos réus, do crime de quadrilha, por
entender configurados todos os elementos e requisitos que lhe compõem a
estrutura típica.
Formou-se, na cúpula do poder, à margem da lei e do Direito e ao
arrepio dos bons costumes administrativos, um estranho e pernicioso sodalício
constituído de altos dirigentes governamentais e partidários, unidos por um
perverso e comum desígnio, por um vínculo associativo estável que buscava
conferir operacionalidade, exequibilidade e eficácia ao objetivo espúrio por
eles estabelecido: cometer crimes, qualquer crime, agindo, nos
subterrâneos do poder, como conspiradores à sombra do Estado, para, em
assim procedendo, vulnerar, transgredir e lesionar
a paz pública, que representa, em sua
dimensão concreta, enquanto expressão da tranquilidade da ordem e da segurança
geral e coletiva, o bem jurídico posto sob a égide e a proteção das leis e da
autoridade do Estado.
Senhor Presidente, a essa sociedade de delinquentes, a essa “societas
delinquentium”, o direito penal brasileiro dá um nome: o de quadrilha ou bando.
(...) O conceito de paz pública remete à ideia de “tranquillitas
ordinis”, vale dizer, à noção de sentimento geral de tranquilidade e de
segurança das pessoas, sentimento esse que lhes permite um convívio social
harmonioso, pois o crime de quadrilha constitui, pela só existência de sua
formação, um estado de “agressão permanente contra a sociedade civil”, para
usar uma feliz expressão de Heleno Cláudio Fragoso.
Na realidade, o sentimento de tranquilidade social e de segurança
das pessoas e da própria coletividade, de um lado, e a preservação da
integridade do convívio social harmonioso,
de outro, representam valores
juridicamente protegidos pela legislação penal no ponto em que esta
pune o crime de formação de quadrilha, notadamente
quando o grupo de delinquentes se
associa com outros malfeitores no mais alto nível de poder para a prática
de crimes com o propósito último de dominar e
de controlar, por métodos inconstitucionais,
porque lesivos aos princípios da legalidade, da moralidade e da separação de
poderes, a própria atuação do Parlamento brasileiro.
Nada se mostra mais lesivo aos
valores que informam a ordem
democrática e republicana e, por consequência, a própria
integridade da paz pública, do que a presença, na condução do Estado e de
agremiações políticas, de altos dirigentes
governamentais e partidários integrantes de
quadrilha formada e constituída para corromper
o Poder e submeter, à vontade hegemônica do Poder
Executivo e de determinados grupos nele encastelados, a direção do Estado,
ainda que mediante prática de crimes os mais diversos.
Nada mais ofensivo e transgressor da paz pública do que a formação
de quadrilha no núcleo mais íntimo e elevado de um dos Poderes da República com
o objetivo de obter, mediante perpetração de outros crimes, o domínio do
aparelho de Estado e a submissão inconstitucional do Parlamento aos
desígnios criminosos de um grupo que desejava controlar o poder, quaisquer que
fossem os meios utilizados, ainda que ofensivos à legislação criminal do Estado
brasileiro.
O que vejo neste processo, Senhor Presidente, emergindo da prova nele
produzida contra os ora acusados, são homens que desconhecem a República,
que ultrajaram as suas instituições e que, atraídos por uma
perversa vocação para o controle criminoso do poder, vilipendiaram os
signos do Estado democrático de Direito e desonraram, com os seus gestos
ilícitos e ações marginais, a ideia mesma que
anima o espírito republicano
pulsante no texto de nossa
Constituição.
Mais do que práticas
criminosas, por si
profundamente reprováveis, identifico, no comportamento desses
réus, notadamente dos que exerceram parcela de autoridade do Estado,
grave atentado às instituições do Estado de Direito, à ordem democrática que
lhe dá suporte legitimador e aos princípios estruturantes da República.
Este processo revela um dos
episódios mais vergonhosos da história política
de nosso País, pois os elementos probatórios que foram produzidos pelo
Ministério Público expõem aos olhos de uma Nação estarrecida, perplexa e
envergonhada um grupo de delinquentes que
degradou a atividade política, transformando-a em plataforma de
ações criminosas.
A acusação criminal contra esses antigos dirigentes estatais e partidários,
cuja atuação se deu no contexto de um esquema delituoso estruturado nos
subterrâneos do Poder e que contou
com o auxílio operacional de agentes financeiros e
publicitários, demonstra que a formação de quadrilha constituiu, no caso
ora em julgamento, um poderoso instrumento viabilizador da prática de crimes
contra a administração pública, contra o sistema financeiro nacional, contra a
estabilidade do sistema monetário e contra a paz pública.
Torna-se importante enfatizar que não se está a incriminar a atividade
política, mas, isso sim, a punir aqueles que não se mostraram capazes de
exercê- la com honestidade, integridade e elevado
interesse público, preferindo, ao contrário, longe de
atuar com dignidade, transgredir as leis penais de nosso País, com
o objetivo espúrio de conseguir vantagens indevidas e de controlar, de
maneira absolutamente ilegítima e criminosa, o próprio funcionamento do
aparelho de Estado.
O reconhecimento desse cenário, que encontra integral apoio em prova
validamente produzida neste processo penal, tal como bem o demonstrou o
eminente Relator, põe em evidência, de maneira muita clara, a
ofensa que esses réus cometeram contra a paz pública, o que justifica o
enquadramento de sua conduta no art. 288 do Código Penal, pois se mostra
evidente, a partir dos elementos que compõem esse tipo penal, a
prática, por tais acusados, do crime de quadrilha.
Acentue-se, portanto, este dado que me parece fundamental: os fins
não justificam quaisquer meios, quando estes se apresentam em
conflito ostensivo com a Constituição e as leis da República.
A conquista e a preservação
temporária do poder, em qualquer formação social
regida por padrões democráticos, embora constituam objetivos
politicamente legítimos, não autorizam quem
quer que seja, mesmo quem detenha a direção do
Estado, ainda que invocando expressiva votação eleitoral em
determinado momento histórico, independentemente
de sua posição no espectro ideológico, a utilizar meios
criminosos ou expedientes juridicamente marginais, delirantes da ordem
jurídica e repudiados pela legislação criminal do País e pelo sentimento
de decência que deve sempre prevalecer no trato da coisa pública.
Os réus deste processo, agora sendo julgados pela prática do crime de
quadrilha, devem ser punidos como delinquentes que, a pretexto de exercer
a atividade política, desta se desviaram, vindo a
conspurcá-la mediante ações criminosas e ignóbeis com que ultrajaram
os padrões éticos e jurídicos que devem conformar e inspirar aqueles que
pretendem verdadeiramente atuar na cena política.
Estamos a condenar, portanto, não atores políticos, mas, sim,
protagonistas de sórdidas tramas criminosas. Em uma palavra:
condenam-se, aqui e agora, não atores ou dirigentes políticos, mas,
sim, autores de crimes...
Votações eleitorais, Senhor Presidente,
embora politicamente significativas como meio legítimo de conquista do
poder no contexto de um Estado fundado em bases democráticas, não
se qualificam nem constituem causas de extinção da punibilidade, pois
delinquentes, ainda que ungidos por eleição popular, não se subtraem ao alcance
e ao império das leis da República.
Afinal, nunca é demasiado reafirmá-lo, a ideia de República traduz
um valor essencial, exprime um dogma fundamental: o do primado da igualdade de
todos perante as leis do Estado. Ninguém, absolutamente ninguém, tem
legitimidade para transgredir e vilipendiar as leis e a Constituição de nosso País.
Ninguém, absolutamente ninguém, está acima da autoridade do
ordenamento jurídico do Estado.
Eis, aí, Senhor Presidente, a verdadeira natureza e perfil dos réus
deste processo, que, em dado momento histórico de nosso processo político,
integraram uma quadrilha que ambicionou tomar o poder, a Constituição e as leis
da República em suas próprias mãos [...].