Outubro
terminou com uma chuva desse tipo e deixou o conjunto Tocantins sem luz, água,
telefone, internet, televisão, ar condicionado
LÁ VEM CHUVA, MANINHO
Ellza Souza (*)
Chuva na minha terra não é
bolinho não. Minha mãe dizia: _Lá vem chuva. E botava a gente pra dentro de
casa. O garoto Moacir, que gostava de desenhar, fazia no chão de terra um sol
bem grande pra chuva não cair e secar as roupas do varal de sua casa na beira
do rio Solimões. Algumas crianças cantavam: - “Vai chuva, vem sol, pra enxugar
o meu lençol”. Essas expressões são antigas e revelam cuidados que valem até
hoje. Brincar debaixo de uma chuva torrencial, um toró, para os intimos, era o
que mais a criançada gostava no bairro onde nasci. Mas mamãe tinha razão pois
na minha terra é bom não brincar com chuva.
Quando a
chuva vem lá longe, subindo o rio, lá das bandas do mar, a coisa vai ficando
preta e o céu transtornado parece que vai desabar. Aí não tem bom. As pessoas
procuram abrigo dentro de casa, cobrem-se os espelhos e os santinhos são
colocados em ponto de reza. Vem muita água, vem trovão, vem raios que cortam
grandes árvores, vem impiedoso o vento rasgando o que vê pela frente: casas,
telhados, mato, fios de alta tensão, postes, barcos no rio. Outubro terminou
com uma chuva desse tipo e deixou o conjunto Tocantins sem luz, água, telefone,
internet, televisão, ar condicionado, todas essas mordomias a que nos
acostumamos, por quase 48 horas. Foi uma eternidade.
O calor
insuportável pedia o tal aparelho refrescador que não funcionava. Coberturas de
zinco desabaram, lindas árvores não resistiram. Conforme contam, muita gente do
terceiro andar se escondeu nos banheiros assombrados com a força da natureza e
imploravam socorro ao Criador. A tormenta tropical serviu para lavarmos até a
alma e pagarmos talvez alguns pecados do tipo: derrubar a mata
indiscriminadamente enfraquecendo o que fica; aterrar praias e igarapés; jogar
lixo no rio e na rua; trocar quintal por pátio. E tantos outros que cada um que
faça o seu ato de contrição.
Só sei que
passada a chuva a periquitalhada é que está feliz. O céu está límpido no fim
dessa tarde de quinta feira, dia de todos os santos e os verdinhos em bandos
passam em revoada. A preferência deles sei que são as palmeiras das madames que
apesar da tentativa no ano passado de evitar o assédio e o barulho às elegantes
árvores imperiais, com redes, eles foram mas voltaram esse ano com mais
“companheiros” para a desforra.
Passada a
chuva e o vento e já com luz e a água bombando nas torneiras, só um saboroso
“filhós” ou bolinho de chuva com bastante açúcar e canela, para esquecer tantas
e tantas horas de medo, irritação e calor, que ninguém é de ferro. “Vai chuva,
vem sol para aquecer o girassol”. “Vai sol, vem chuva, para molhar a terra e
até a saúva”.
(*) É
escritora, jornalista e articulsta do NCPAM/UFAM.
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