O Supremo Tribunal Federal (STF)
decidiu pela admissibilidade dos embargos infringentes e com isso a conclusão
da Ação Penal 470 fica adiada, na melhor hipótese, para o próximo ano.
Tratando-se do julgamento do maior escândalo político da história recente do
País, no qual foram condenados importantes figurões da República, é natural que
muitos brasileiros se tenham empolgado com a sinalização, pela Suprema Corte,
de que a histórica impunidade dos poderosos - um dos sintomas mais degradantes
da vulnerabilidade da democracia que temos - poderia estar com os dias
contados. Como é natural, também, que agora se sintam decepcionados com uma
decisão que prolonga indefinidamente um processo que já percorre seu oitavo
ano.
De fato, o
julgamento do mensalão adquiriu - por tudo o que revelou aos olhos de uma nação
perplexa e pela excepcional oportunidade que ofereceu ao cidadão comum de
acompanhar de perto, ao vivo, o funcionamento da mais alta instância do
Judiciário - um importante sentido simbólico. Provocou uma valorização sem
precedentes do cidadão, que conseguiu se sentir, como é condição de uma
verdadeira sociedade democrática, participante ativo da condução dos destinos
do País - e não o mero objeto em que pretendem transformá-lo os governos
populistas e os autoritários.
Esse sentido
simbólico, é importante que se tenha em mente neste momento difícil, ainda não
se perdeu. É claro que provavelmente será preciso ainda algum tempo e, sobretudo,
exemplos e estímulos encorajadores, para que o cidadão ora frustrado recupere o
ânimo para continuar lutando por conquistas que aperfeiçoem nossas
instituições. E uma delas é uma reforma que permita ao Judiciário agilizar o
cumprimento de sua missão e acabar com a distorção representada pelo fato de
apenas os privilegiados capazes de pagar advogados renomados conseguirem se
beneficiar de todas as garantias legais que o ordenamento jurídico do País
oferece, teoricamente, a qualquer cidadão.
A decisão do STF -
perturbada por profunda controvérsia interna - versa sobre uma questão
processual, uma preliminar que não altera necessariamente o julgamento do
mérito das condenações. Abre-se, certamente, a possibilidade de que algumas
penas sejam reduzidas e, quem sabe, até mesmo canceladas. Mas para isso será
necessário que a nova composição do tribunal produza um entendimento
radicalmente diverso daquele que tinha a maioria do corpo de juízes que
prolatou a sentença ora embargada. Ou que algum ministro reforme o próprio
voto.
Portanto, somente a
partir de um novo momento no aparentemente infindável curso da Ação Penal 470
será possível saber se a mais recente decisão da Suprema Corte significou o
entendimento da maioria de seus membros sobre as garantias individuais - em
sentido universal - ou se foi a preparação do caminho do retrocesso.
Durante os debates
sobre a admissibilidade ou não dos embargos infringentes no processo do
mensalão, muito se falou, dentro e fora do plenário do STF, a respeito da
influência da opinião pública sobre a atuação dos magistrados. Houve até mesmo
quem, na mídia, contestasse a existência de "opinião pública",
desclassificando-a como resultado da manipulação de "inventores"
mal-intencionados.
Ninguém imagina que
um magistrado deva perguntar às ruas como cumprir seu ofício ou se deixar
conduzir pelo clamor de emoções momentâneas. Da judicatura se exige, sobretudo,
serena racionalidade. Mas o fato é que, quando a controvérsia é séria, os
próprios juízes, inclusive e talvez principalmente os mais experientes, não
abrem mão de longas explicações que se destinam, em última instância, à opinião
pública. E estão certíssimos ao fazê-lo, porque o poder que detêm emana dos
cidadãos.
Nada mais natural e
democrático, portanto, do que um servidor público consciente manter-se atento
àquilo que pode ser chamado de "opinião pública", "clamor
público" ou outro nome que se lhe dê. Pois é essa interação que dá sentido
e substância a uma sociedade genuinamente democrática.
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