O artigo abaixo, escrito
pelo ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal, é uma prévia do
novo canal de Opinião do UOL, que estreia em março
A regra é clara: ninguém pode ganhar, no serviço
público, mais do que o subsídio mensal, em espécie, dos ministros do Supremo
Tribunal Federal. A abrangência do teto constitucional alcança remuneração —
subsídio, proventos, pensões e outras espécies remuneratórias dos ocupantes de
cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e
fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal
e dos municípios, inclusive dos detentores de mandato eletivo e demais agentes
políticos, percebidos isolada ou cumulativamente. Em outras palavras, observado
o tratamento igualitário, o teto impõe-se a todos.
Teto Salarial
A regra é clara: Ninguém pode ganhar, no serviço público, mais do que o
subsídio mensal, em espécie, dos ministros do STF
Mas nada é tão simples como parece. A astúcia do
homem e o abandono da ética implicam vergonhoso drible.
As formas
vão do empréstimo da natureza indenizatória a certas parcelas ao desdobramento
do contracheque que, de peridiocidade mensal, vejam só a criatividade, passa a
ser de peridiocidade quinzenal.
Então, com desprezo total à lei das leis, à Carta
Federal, revela-se o país do faz de conta. A situação, pasmem, mostra-se hoje
generalizada.
O Supremo Tribunal Federal é o guarda maior da
Constituição e esta, presente o estado de direito, encerra um grande todo que
tem como medula a velha máxima que os meios justificam os fins, e não o
contrário, sob pena de, acionado o justiçamento, haver retrocesso, e não avanço
cultural.
Cumprimento da lei
Mas nada é tão simples como parece. A astúcia do homem e o abandono da
ética implicam vergonhoso drible
A momentosa matéria dos supersalários praticados, à
larga, nas duas casas do Congresso, deve ser analisada sem paixões. Nas
auditorias no Tribunal de Contas da União, os beneficiários não tiveram espaço
para defenderem-se.
Os pronunciamentos sinalizaram que Câmara dos
Deputados e Senado viabilizariam a audição, cumprindo-se o mandamento
constitucional: o detentor de situação constituída possui o direito ao devido
processo administrativo. Essa é a regra inafastável, pouco importando a
clareza, aparente e unilateral, do quadro.
O desgaste das casas legislativas é notório. No afã
de recuperar prestígio, em menosprezo à comezinha regra do contraditório,
atropelou-se, dando-se esperança vã, infrutífera, portanto, à cansada
sociedade.
Congresso
O desgaste das casas legislativas é notório. No afã de recuperar
prestígio, atropelou-se, dando-se esperança vã à cansada sociedade
Sob o ângulo do direito de defesa, a questão chegou
à última trincheira da cidadania, onde não cabe visão passional, extremada. Ao
deferir, em mandados de segurança, as liminares, consignei que o fazia sem
prejuízo da instauração dos processos administrativos, sumários e individuais.
Verificada, na seara própria, a ilegitimidade de
pagamentos, por sinal, satisfeitos há anos, aí sim, a suspensão imediata será
de ocorrência natural e, mais, a devolução do que recebido nos últimos cinco
anos, procedendo-se aos descontos nos vencimentos, proventos e pensões —
obedecido o limite mensal, tudo conforme previsto na Lei nº 8.112/1990. Como
dizer do prejuízo ao poder público? A relação jurídica continuada possibilita
os descontos.
Paga-se
um preço por viver em uma democracia e é módico, estando ao alcance de todos: o
respeito irrestrito ao arcabouço normativo, às leis. Fora isso, instaura-se a
desordem, a afronta à Constituição Federal. Conserte-se o Brasil, afastando-se
as mazelas que o emperram, mas não se jogue para a plateia, muito menos
adjetivando a visão do Supremo. A absurdez tem outro endereço.
*Marco Aurélio Mendes de Farias Mello é ministro do Supremo Tribunal Federal e presidente
do Tribunal Superior Eleitoral
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