Com a vitória de Fernando Henrique
Cardoso em 1994 e, sobretudo, com sua reeleição, em 1998, o PSDB cresceu demais
e desordenadamente
É triste admitir, mas José Serra não precisou de adversários para ser
derrotado.
José Augusto Guilhon Albuquerque e Elizabeth Balbachevsky (*)
Na noite das eleições municipais, a mensagem de uma jovem universitária
chegou com lágrimas na voz: "A oposição vendeu São Paulo para o
governo". Tão desafiadora que merece uma resposta igualmente franca.
A derrota do PSDB na cidade onde nasceu, e no Estado que domina há 20
anos, se deve exclusivamente ao próprio partido. Não pode ser atribuída a
intuições geniais do adversário, pois o candidato tucano - um dos mais
expressivos nomes do partido - obteve menos de 30% do eleitorado contra um mar
de 33% de votos não válidos.
É triste admitir, mas José Serra não precisou de adversários para ser
derrotado.
O PSDB foi vítima de seu próprio sucesso. Nascido como uma federação de
dissidências regionais do PMDB e do antigo PFL, logrou conquistar o eleitorado
de centro graças ao gênio político de Franco Montoro, que lhe deu voz e
horizonte político, reunindo um leque admirável de lideranças regionais com
experiência e capacidade governativa.
Com a vitória de Fernando Henrique Cardoso em 1994 e, sobretudo, com sua
reeleição, em 1998, o PSDB cresceu demais e desordenadamente, mas não o
bastante para garantir uma maioria governativa. As vacas gordas transmitiram
doenças crônicas: o esgarçamento das bandeiras, o caciquismo e uma crise de
identidade que o impede de entender o seu próprio eleitorado e definir rumos
coerentes.
Fernando
Henrique, o líder de maior sucesso eleitoral e político na história tucana,
jamais foi unanimidade no próprio partido. Seções inteiras do PSDB repudiaram o
Plano Real, que não teria passado sem o apoio do PFL. Seções inteiras apoiaram
Lula nas eleições de 1994. Em 1998, além de Lula, também apoiaram outro
candidato. Lideranças expressivas renegam até hoje a maior fonte da
popularidade e da base eleitoral do partido - o reconhecimento da estabilidade
econômica e da robustez financeira conquistadas sob sua liderança. Alinhando-se
à visão míope do PT, as candidaturas tucanas à Presidência no pós-FHC
esmeraram-se em tratar seu legado como a vergonha da família - abertura da
economia, privatizações, responsabilidade fiscal, reforma bancária, moeda forte
-, permitindo que Lula e o PT fossem os únicos beneficiários do sucesso dessas
políticas.
A perda da identidade abre as portas para o caciquismo: setores inteiros
do PSDB preferem perder para o adversário a ter de dividir a vitória com o rival
no próprio partido. Os caciques regionais bloqueiam a ascensão de futuros
rivais nas capitais, tática que explica como lideranças fortes em 30 anos de
domínio político - se contarmos desde Mário Covas como prefeito de São Paulo -
só conseguiram emplacar um candidato em condições realmente competitivas em
2004, com Serra.
Sua quintessência é a coalizão de vetos, em vigor desde a sucessão de
FHC em 2002. Diferentes lideranças, por diferentes razões, embora minoritárias,
reúnem recursos de resistência suficientes para frustrar a eleição do
eventualmente consagrado pela maioria do partido.
Foi assim em 2002 com Serra, que chegou a ser derrotado em Estados onde
a coalizão tucana obteve vitória incontestável. Foi assim em 2006 com Geraldo
Alckmin, que chegou ao segundo turno para ser hostilizado publicamente por seu
próprio partido. Foi assim em 2010 com Serra, que, em que pesem seus erros de
percurso, foi indiscutivelmente hostilizado por seus próprios pares antes,
durante e depois da campanha.
O esgarçamento das bandeiras resulta diretamente da extensão das
coalizões tucanas, para além do útil e do desejável. Para dar conta desse
esgarçamento basta deixar uma pergunta no ar: quem sabe quais as posições da
oposição tucana sobre a matriz energética brasileira desde o ministério Dilma
Rousseff; sobre o atual modelo de crescimento; sobre a missão do Banco Central,
sua tolerância com a inflação e o gasto público; sobre o desmantelamento da
Petrobrás e a paralisia da política de exploração do pré-sal; sobre a política
federal para enfrentar as mudanças climáticas; sobre o nacionalismo comercial e
cambial; sobre o "controle social" da liberdade de imprensa?
Vivemos uma década de despolitização graças à capacidade do
ex-presidente Lula para manipular corações e mentes. Os partidos, as ideias, os
anseios de parte significativa do eleitorado foram ofuscados pelo culto à
personalidade e pelo maniqueísmo do "nós contra eles".
Em artigo publicado em Opinião Pública (vol. 13, n.º 2, 2007), Elizabeth
Balbachevsky e Denilde Holzhacker mostraram que o eleitor de Lula em 2006
diferiu significativamente do seu eleitor em 2002. Naquela eleição o voto em
Lula não foi determinado, como nas eleições anteriores, pela identidade do
eleitor com o PT nem por sua inclinação ideológica. Variáveis demográficas,
como o nível de renda e de escolaridade, foram mais importantes na propensão
para votar em Lula. Uma controvérsia foi criada sobre a emergência de uma nova
realidade social e política, o "lulismo", capaz de alterar definitivamente
a matriz do sistema partidário nacional.
As últimas eleições municipais, entretanto, evidenciam a perda de fôlego
do personalismo. Lula considerou questão de honra bater seus adversários em
dúzia e meia de cidades. Venceu em pouco mais de meia dúzia. É visível, ademais,
um realinhamento do voto nacional, com as administrações municipais
concentradas novamente em três grandes partidos, um ao centro (PSDB), outro à
direita (PMDB) e outro à esquerda (PT). Com isso os tucanos precisam tomar
algum rumo, pois há dois partidos emergentes prontos para ocupar o seu lugar ao
centro (PSB) e à direita (PSD).
* É professor titular da USP, pesquisador sênior do Centro de
Estudos Avançados da UNICAMP. É professora associada do Departamento de Ciência
Política da USP, vice-coordenadora do NUPPS/USP e membro do Centro de Estudos
Avançado da UNICAMP
Fonte:
http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,um-futuro-para-o-psdb-,965224,0.htm
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