O pintor Moacir Andrade que desde criança gostava de observar a rua e o
rio próximos de sua casa no centro retratou os ambulantes de Manaus.
Manaus já teve muitos vendedores
ambulantes. Sabemos disso, hoje, pelos desenhos do pintor amazonense Moacir Andrade
que desde criança gostava de observar a rua e o rio próximos de sua casa no
centro. Uma das coisas que o pintor mais registrou, em prosa, verso e
desenhos, foram esses vendedores que na época eram ambulantes de verdade que
não criavam raízes num local e sim ofereciam pra lá e pra cá os seus produtos.
Em suas lembranças aparecem o doceiro com sua caixa de doces envidraçada e de
dois “andares” onde se comprava queijadinha, o “mata-fome”, o puxa-puxa, o bolo
de milho, para degustar com o refresco de pura fruta regional. Aparece o
padeiro (o pão de meio quilo deu um flash na minha mente) com grandes cestos de
vime que passavam nas ruas “atentando” todos os sentidos do freguês para a
compra imediata de produto tão inesquecível mas eliminado do cenário moderno da
cidade. Aparece o miudeiro que vinha “da margem direita do igarapé do São
Raimundo nas catraias para vender na cidade os miúdos dos bois sacrificados no
antigo Curro”. O pintor lembra das negras barbadianas que moravam na longínqua
Praça 14 de Janeiro e que vendiam cheiro verde, bonecos de pano, rendas, doces
no centro da cidade vestidas com roupas longas e chapéus.
Perfeitamente registrados nos primeiros anos da
carreira de Moacir Andrade, quando ainda o lápis era o seu único material de
trabalho junto com o seu olhar observador e curioso sobre a movimentação
daquelas pessoas e seus tabuleiros ou reco-recos nas ruas da cidade.
Tinha até vendedor de santinho em frente da igreja matriz no centro, e um
deles era assim lembrado: “tinha uma longa barba branca e vestia-se com um
velho gibão e uma cruz no peito. Uma outra cruz de madeira na mão era enfeitada
com fitas coloridas para atrair os transeuntes e assim vender os seus produtos
sagrados”. Outros vendedores circulavam pelas ruas dos bairros com os santinhos
pendurados num quadro sobre o peito (uma espécie de mostruário).
Muitos outros vendedores de rua ofereciam seus
produtos, a retalho, nas casas das pessoas como o geleiro, o leiteiro, o
verdureiro, o carvoeiro. Segundo os relatos o espanhol Felipe Geleiro fez
fortuna em Manaus vendendo gelo e fazendo agiotagem. mas vivia como um mendigo,
sujo e sozinho. Os horteleiros levavam nas carroças para o “mercado grande”, o
Adolfo Lisboa, palco de histórias de muitas vidas e hoje deixado de lado pelas
autoridades, as hortaliças fartamente colhidas nas grandes hortas existentes
nas proximidades do centro.
Era um tempo em que os ambulantes eram
trabalhadores de verdade e mereciam o respeito da clientela. Iam e vinham pelas
ruas sem emporcalhar a cidade e sem se apoderar do espaço público com a
desculpa de que “é pai de família” e não tem emprego pra todos. Pode até ser
essa uma parte da desculpa para a esculhambação no centro da cidade de Manaus.
No entanto, a maior parte da culpa por esse caos é certamente das autoridades
municipais que permitiram tal insanidade tirando a vontade dessas pessoas de
procurar algo melhor pra fazer. Mas claro que a população, todos nós que
reclamamos, também temos participação nessa culpa ao comprarmos qualquer coisa
que seja nesse mercado negro de camelôs e que não tem nada parecido com os
vendedores ambulantes que despertaram sentimentos e a arte do menino Moacir
Andrade.
(*) É
escritora, jornalista e articulista do NCPAM/UFA
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