Aldeia Indígena Waimiri - Atroari , situada na BR - 174 ( Manaus - Boa Vista ) .
É a representação real do domínio e da propriedade
privada, demarcando limites e impondo sobre o outro a vontade do mais forte
para dominar território e explorar o trabalho visando riqueza e ostentação.
Ademir Ramos (*)
Há dias atrás, em entrevista ao tarimbado
jornalista Paulo Markun, falávamos das estruturas das malocas, seus
significados, funções e representação no imaginário dos povos indígenas do
Brasil, dando ênfase a estada do repórter na aldeia dos waimiri-atroari
para documentar o objeto de sua reportagem. Foi aí que me lembrei da cena do
cadeado na aldeia servindo de instrumento de imitação e provocando o
estranhamento aos visitantes.
A cena foi documentada na aldeia de rio, na
microrregião do Município de Nova Airão, no estado do Amazonas. Nesta bela
aldeia, os waimiri-atroari guardavam suas ferramentas de trabalho no
cercado sob a força de um cadeado que só um entre eles tinham a chave, talvez,
por isso, achasse no direito de dar ordem aos seus, assim como os agentes
externos faziam.
O cadeado é a representação real do domínio e da
propriedade privada, demarcando limites e impondo sobre o outro a vontade do
mais forte para dominar território e explorar o trabalho visando riqueza e
ostentação. Mas, na aldeia dos waimiri-atroari, o cadeado estava mais
como um adereço no cenário comunal do que uma força possessiva de domínio e
subordinação... como um braço sem corpo.
Dar ordem pouco ou nada significa se os seus não
obedecem. Isto porque as relações sociais originam-se de uma forma comunitária
assentada no uso e ocupação de um território regrado por convenções
tradicionais que primam por uma ordem regida pelas relações consanguíneas e
solidárias a estabelecer formas e funções de trabalho diferenciado fundamento
no sexo e idade.
Neste espaço construído a aldeia tradicional
organiza-se centrado na roça e na maloca (termo genérico para falar da moradia
comunitária). Nesses dois empreendimentos o trabalho, socialmente comunitário,
está presente. É uma festa compartilhada por todos. Na roça escuta-se e
revelam-se as confidências e amores, semente da vida. É também um símbolo de
prosperidade apresentado aos visitantes como valor, enaltecendo, sobretudo, o
trabalho das mulheres.
Na construção da maloca, as mulheres também
participam, mas o trabalho final é dos homens que dão a forma terminativa de
seu acabamento. A construção desse espaço é carregada de simbolismo e
funcionalidade. A estrutura de sua construção está quase sempre vinculada as
suas representações míticas fundadoras, com ícones identitários e espaço
demarcado por esteios e redes que denunciam confinamentos de determinadas
famílias ou clãs.
Trata-se de uma estrutura sem paredes divisórias,
sem cadeados ou trancas, regradas pelos usos e costumes de uma tradição
secular, que desconhece o roubo, o furto e muito menos a miséria a reduzir as
pessoas em coisas, em trapos humanos, enquanto um pequeno grupo vive no mundo
da fantasia, com arrogância a se vangloriar das políticas compensatórias
instituídas para conter a explosão dos miseráveis e com isso garantir a
integridade da propriedade privada, o status dos dominadores e dos
governantes socialmente injustos e politicamente corruptos.
(*) É
professor, antropólogo, coordenador do projeto Jaraqui e do NCPAM/UFAM.
Foto: http://www.tyba.com.br/portugues/minha_conta/ampliacao.php?file=cd206_349
Nenhum comentário:
Postar um comentário