Hoje se encerram as inscrições
para o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio). O esperado é que milhões de
pessoas se inscrevam neste exame como ocorre todos os anos. O ministério da
educação (MEC) tem a expectativa de mais de nove milhões de inscritos, o que
poderia se tornar uma marca histórica, pois chegando próximo da marca dos dez
milhões o exame poderia se consolidar como a maior avaliação de larga escala do
mundo, uma vez que atualmente fica atrás apenas do exame nacional que avalia o
ensino médio da China, o Gao Kao.
É bom que se entenda as múltiplas
dimensões de uma prova como esta a fim de que se evite a formação de opiniões
construídas em cima de equívocos. Sendo assim, nossa coluna hoje dará alguns
esclarecimentos que entendemos serem essenciais para educadores, pais, gestores
e políticos. É necessário que se lance um olhar mais técnico e, portanto, mais
crítico, sobre algo feito por nós brasileiros, mas que já chama a atenção do
mundo. Com essa finalidade tomaremos como referência a última edição do ENEM
para analisarmos aspectos que consideramos essenciais.
Inscrições
Primeiramente é preciso saber que
há três números importantes no Enem: O número de inscritos, o número dos que
confirmam a inscrição (pagam o boleto de inscrição) e o número dos que
realmente comparecem aos locais de prova. No ano de 2014 tivemos 9,5 milhões de
inscritos, contudo, apenas 8,7 milhões de inscrições confirmadas. Compareceram
à prova apenas 6,2 milhões.
Segundo o MEC, 65% dos 2,5
milhões de faltosos obtiveram isenção da taxa de inscrição, ou seja, cerca de
1,6 milhões de candidatos não pagaram nada ao governo e ainda assim faltou a
prova.
Só para se ter ideia do que isso representa em prejuízo para
os cofres públicos, basta pensar que o custo unitário de cada prova do Enem
ficou em 2014 em torno de R$ 52,00. Multiplicando-se isso pelo número de
faltosos chegaríamos a 130 milhões de reais desperdiçados. Contudo, o MEC
afirma que este valor se reduz por conta da não correção das redações desses
candidatos.
Taxa de inscrição
O Enem é uma avaliação que não se
sustenta do ponto de vista econômico. A conta é simples, na última edição
apenas 26,5% dos inscritos, tiveram que pagar a taxa de R$ 35,00. Isto
representa cerca de 2,3 milhões de candidatos, e em valores aproximadamente 80
milhões de reais. Vale lembrar que se todos os 8,7 milhões de inscritos não
faltassem o custo desse exame ficaria na casa dos 450 milhões de reais. De
forma bem prática, o que é arrecadado com as taxas de inscrição não cobre nem
sequer o prejuízo que se tem com os faltosos, uma vez que 57,17% são isentos
por carência comprovada e 16,33% por serem alunos de escolas públicas.
Uma solução para esta conta que
está muito longe de fechar são as medidas adotadas recentemente: impor aos
faltosos uma penalidade e aumentar o valor da taxa de inscrição. Vale lembrar
que esta taxa é paga por uma minoria, em geral pessoas que já concluíram o ensino
médio, estudantes de escolas privadas e alunos de escola pública que fazem o
exame ainda nas primeiras séries do ensino médio, como treino.
O custo de realização de uma
edição do Enem (450 milhões de reais), e o fato de ela não se pagar, explicam
dois fatos. O primeiro é a realização de apenas uma edição do exame durante o
ano, vale lembrar que em 2009 o então ministro da educação Fernando Hadad
anunciava que a intenção era a realização de várias edições anuais. A outra é a
força que vem tomando a proposta de um Enem on line, o que baratearia
imensamente os custos.
Perfil dos participantes
Ao contrário do que se pensa o
Enem não é um exame que hoje é feito por uma grande maioria de adolescentes
concluintes do ensino médio. Na verdade, cerca de cinco milhões dos que fizeram
o último Enem já haviam concluído o ensino médio, muitos já no mercado de
trabalho. Concluintes do ensino médio mesmo, apenas 20% dos inscritos.
Quando se busca a faixa etária
dos participantes percebe-se que 30% deles ficam entre 21 e 30 anos, e 15,5%
ficam acima dos 30 anos.
A explicação para isso está nas
oportunidades que o exame oferece: acesso ao ensino superior e acesso ao ensino
técnico profissionalizante.
Logística envolvida
Em 2014 foram 18.900 locais de
prova distribuídos em 1.714 municípios. No total houve a participação de 850
mil colaboradores em todo o território nacional, desde fiscais de prova até
corretores de redação. Ao todo 80 mil malotes foram distribuídos por todo o
Brasil percorrendo 138 mil rotas.
A lição que fica
Por todos estes aspectos já
contemplados percebemos que o Enem é algo grandioso, tanto em objetivos quanto
em abrangência. Da mesma forma os desafios que ele impõe são igualmente
grandiosos. Já escrevi aqui nesta coluna sobre os desafios para a rede estadual
de ensino do Amazonas, mas hoje chamo atenção para outro: “Como levar
preparação para os participantes que não estão mais na escola?”.
Entendo que esta preocupação é
válida, pois estas pessoas estão em muitos casos empregadas, mas querendo
estudar para buscar ascensão profissional. Em outros casos terminaram o ensino
médio, mas estão no mercado informal querendo fazer um curso técnico ou de
ensino superior. Alguns são da geração “Nem, Nem ”, aqueles que nem estudam e
nem trabalham, mas buscam no Enem uma oportunidade.
No Amazonas 184.864 pessoas se
inscreveram na última edição do exame, se os números locais acompanharem os
nacionais cerca de 100.000 desses inscritos estão fora da escola, já concluíram
o ensino médio. É preciso que políticos e gestores se debrucem sobre esta
questão, pois em um estado que possui um polo industrial negar preparação para
quem deseja fazer ensino superior o ensino técnico profissionalizante é no
mínimo contraditório, e contra os interesses do próprio estado.
Deixamos também outra mensagem, é
necessário que se olhe as questões relativas a educação de maneira técnica,
portanto, menos superficial do que habitualmente é feito. Números, indicadores,
taxas e percentuais não melhoram a educação por si só. O avanço só vem a partir
do que se faz com estas informações. Muito dinheiro público é gasto com
projetos que se baseiam em “achismos”, cuja fundamentação contempla os aspectos
mais rasteiros daquilo que ele se propõe a dar conta.
George Castro é supervisor do Pacto Nacional
pelo Fortalecimento do Ensino Médio;
Diretor executivo da Macedo de
Castro consultoria educacional; ex-professor da Universidade Federal do Pará e
ex-diretor do ensino médio e educação profissional do estado do Pará.
Contato: george@macedodecastro.com
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