Por: George Castro* é supervisor do Pacto
Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Médio
Amazonas
Atual
Em três décadas o Brasil conseguiu vencer um dos grandes problemas que
afligia a educação pública do país: o acesso a escola. Até o final da década de
1990 era comum nos noticiários o relato de pais que dormiam na porta de escolas
para garantir uma vaga para seus filhos, o que nem sempre conseguiam. Fato era
que não havia vagas para todos e, sendo assim, existiam pessoas que estavam
condenadas a não estudar.
Nesses 30 anos algumas ações foram tomadas no sentido de garantir o
acesso à escola para milhões de brasileiros. A rede física foi ampliada com a
construção de várias unidades escolares, professores foram admitidos através de
concurso, equipamentos foram adquiridos e muito material didático foi
distribuído gratuitamente aos alunos.
Contudo, outro desafio (já esperado) tem se apresentado à medida que
fomos dando conta do primeiro: o de garantir a qualidade de ensino para todos.
A primeira vista parece inconciliável estender o atendimento a tanta gente e ao
mesmo tempo garantir qualidade. Afinal, temos hoje na educação básica (ensino
fundamental e médio) pouco mais de 40 milhões de alunos.
O número impressiona, mas o que mais impressiona são os números que
tentam aferir a qualidade do ensino que estas pessoas recebem nas milhares de
escolas públicas existentes em todo o país. Infelizmente eles nos deixam
bastante preocupados, pois em avaliações internacionais como a do PISA (sigla
em inglês que significa Programa Internacional de Avaliação de Estudantes)
nosso país sempre figura entre os últimos colocados, sinalizando que medidas
urgentes precisam ser tomadas.
No Brasil, a qualidade do ensino passou a ser avaliada através de dois
indicadores: o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) e a média
das escolas no ENEM – de onde a imprensa, de maneira indevida, sempre cria um
ranking.
Analisando os resultados do IDEB e do ENEM, percebemos claramente que
ainda há um caminho muito longo a ser percorrido. As consequências desse ensino
básico deficitário já foram identificadas e quantificadas, e o prejuízo causado
é grande. Podemos dizer que de maneira geral dois campos são afetados:
1.I) O ensino superior, que ao receber alunos de ensino médio com graves
lacunas em seu aprendizado padece com um índice de evasão que é um dos maiores
do mundo – nos cursos de engenharia chega a 40%, por exemplo.
2.II) O mundo do trabalho, que recebe pessoas sem as competências
mínimas até mesmo para as funções mais básicas. Segundo a organização para
cooperação do desenvolvimento econômico (OCDE), o trabalhador brasileiro por
conta de sua formação na educação básica é cerca de quatro vezes menos
produtivo que o trabalhador americano.
Mas por que há tanta dificuldade em avançar na qualidade da educação? A
resposta para esta questão não é simples, pois precisa contemplar vários
aspectos. Não há como atribuir a um único fator a situação que temos hoje no
ensino fundamental e médio – os níveis da educação básica.
O currículo das escolas tem sido apontado frequentemente como um dos
principais fatores que concorrem para o déficit de aprendizado dos alunos,
principalmente no ensino médio. De maneira geral os currículos são baseados em
muito conteúdo e pouca reflexão, não privilegiam o desenvolvimento das
competências ligadas a autonomia dos alunos e ao trabalho em equipe, coisas
fundamentais tanto no ensino superior quanto no mundo do trabalho.
Por outro lado a formação inicial dos professores também colabora para
que esse tipo de currículo se mantenha, pois via de regra os cursos de
licenciatura não formam professores para educação básica, formam sim aspirantes
a professores do ensino superior. É muito comum se ouvir deles que aprenderam
pouca coisa útil para sua prática docente durante a passagem pela universidade.
Tendo recebido apenas conhecimento técnico.
Outro fator que colabora sobremaneira para a situação que temos hoje, é
a baixa-estima de alunos e professores da rede pública, produzida em grande
parte pelo ambiente escolar. Muitas escolas têm estruturas deterioradas em que
se têm apenas as condições mínimas (e às vezes nem isso) para se trabalhar: são
salas quentes, banheiros quebrados, ventiladores barulhentos, lâmpadas
queimadas e segurança precária.
A pouca participação da família na vida escolar dos alunos pode ser
apontada como outro fator determinante para a baixa qualidade do ensino. Com o
tempo os pais começaram a entender a escola como uma instituição que tem por
obrigação educar ampla, total e irrestritamente, seus filhos. Desse modo,
delegou-se somente a escola um papel que deveria ser compartilhado com a
família. Esse “abandono” costuma deixar consequências na vida estudantil,
gerando problemas de relacionamento e dificuldades de aprendizagem.
Há também quem entenda que a maior culpado disso sejam os próprios
estudantes, pois na sua falta de interesse residiria todo o problema. O que
aparentemente parece se confirmar nos resultados das avaliações de larga
escala. Contudo, há de se pensar que com um currículo que não motiva muito à
reflexão – consequentemente a participação, professores que por conta de sua
formação centram suas aulas no conteúdo não dando vez a aspectos da vida
cotidiana, um ambiente escolar desmotivador e uma família que pouco participa
da vida escolar, é muito difícil mesmo que o interesse aflore. Afinal, por que
afloraria?
Portanto, qualquer reforma educacional, projeto, ou mesmo iniciativa
individual que seja pensada no sentido de melhorar a educação, deve levar em
conta esses aspectos. Não fazendo isso o risco de se fracassar é muito grande,
pois não há como se ter resultado apreciável sem que se encarem todos esses
fatores.
Mas para isso é necessário uma gestão preparada, que consiga olhar para
o todo não se atendo somente a uma parte, que saiba intervir em cada fator na
justa medida em que ele colabora para o mau desempenho. E, principalmente, é
necessário muito diálogo entre todos os envolvidos: professores, pais, alunos e
gestores.
Uma pena é que gestores com esse perfil e disposição, infelizmente, são
raros. E quando surgem precisam ser muito resilientes, caso contrário são
esmagados pelo modelo que já está posto, que com uma inércia muito grande
resiste fortemente a mudanças.
*George Castro é supervisor do Pacto
Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Médio;
diretor executivo da Macedo de Castro consultoria educacional; ex-professor da Universidade Federal do Pará e ex-diretor do ensino médio e educação profissional do estado do Pará.
diretor executivo da Macedo de Castro consultoria educacional; ex-professor da Universidade Federal do Pará e ex-diretor do ensino médio e educação profissional do estado do Pará.
Contato: george@macedodecastro.com
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